Tem seis anos e está prestes a iniciar mais uma etapa importante: a entrada na escola dos «crescidos», vulgo primeira classe. Pais, avós, tios, primos, amigos multiplicam-se em bons augúrios: «Estás a ficar crescido! Já vais para a escola, que bom! E já sabes muitas letras e números?» Ora, aqui é que as coisas podem começar a complicar-se. É que, para muita gente, é impensável mandar uma criança para o primeiro ano sem lhe dar algum tipo de «vantagem». Isto é, tentar antecipar a aprendizagem que ela vai iniciar. Algarismos, números, fichas e mais fichas enchem as malas de férias, para que o menino ou a menina (em especial se não frequentou o ensino pré-escolar) não «vá em branco». E a meta traçada é bem clara: aprender a ler e a escrever o mais depressa possível, de preferência mesmo antes de terminar o primeiro período.
Nuno Cortes é professor do Primeiro Ciclo do Ensino Básico – a antiga Escola Primária – e sempre que lecciona primeiros anos depara-se «com famílias que me dizem que o menino passou as últimas semanas a preparar-se para a escola, que já sabe todas as letras, muitas palavras e muitos números. E que foram os próprios pais a ensiná-lo». O professor não aponta o dedo a ninguém – «é uma atitude que demonstra que os pais estão empenhados em que a criança entre na escola com o ‘pé direito» – mas vai alertando para possíveis consequências desta «avalanche».
«Fico muito mais descansado quando, ao invés de falarem sobre tudo o que o aluno já sabe, até porque vou conhecer isso mesmo nas primeiras semanas de aulas, os pais procuram saber o que está previsto para o quotidiano escolar do filho e a forma como podem atravessar o processo de adaptação», afirma este docente que trabalha numa escola da margem sul de Lisboa. «Até porque essa adaptação não se extingue na criança: ela é também dos pais, do professor e de toda a comunidade educativa», defende Nuno Cortes.
Ritual de passagem
Mais do que moldar-se às novas circunstâncias, a entrada de uma criança para a «escola verdadeira» é um autêntico ritual. Segundo a terapeuta familiar Catarina Mexia, este momento «acontece a toda a gente» e marca a passagem de «uma situação em que a família nuclear é a detentora do conhecimento e onde o poder dos pais raramente é posto em causa, para uma nova conjuntura em que uma figura, o professor, tem a capacidade de colocar em causa o monopólio parental de autoridade, comportamentos, valores e normas».
A psicóloga não tem dúvidas de que a «rivalidade de competências», acontece, de forma mais ou menos declarada, em todas as famílias e não só na entrada no primeiro ciclo: «É uma dinâmica que se repete noutros momentos como, por exemplo, na adolescência e na altura em que o jovem adulto sai da casa dos pais e se autonomiza definitivamente». O início da escolaridade transforma-se, assim, «num grande desafio que ‘mexe’ com as emoções de toda a família», refere Catarina Mexia.
Um dos reflexos mais comuns deste estado emocional é a tentativa dos pais não ‘perderem o comboio’ da nova vida que se apresenta à frente do filho. Junte-se a isso um clima social em que o sucesso a todo o custo é valorizado desde muito cedo e tem-se a receita para a tentação de substituir a escola e o professor. Os esforços dos docentes são, muitas vezes, vistos como insuficientes para nutrir as ambições familiares e as crianças vêem-se no centro de uma disputa em que família e universo escolar se confrontam.
Em alguns casos, a maior pressão não provém dos pais e centra-se essencialmente na família alargada, com destaque para os avós. No entanto, Catarina Mexia desmistifica a ideia de que são estes a maior fonte de tensão. «Existem, certamente, situações em que os pais têm muitas dificuldades em gerir as expectativas escolares dos seus próprios pais, até porque as relações de dependência que se vão criando em relação à educação e acompanhamento da criança parecem dar aos avós esse tipo de poder», admite a terapeuta familiar, adiantando, porém: «Sei que os avós funcionam, na grande maioria dos casos, como uma força condescendente em relação à atitude dos pais. Na nossa geração, consideramos ter as mesmas capacidades académicas que o professor do nosso filho e é mais difícil resistir à tentação».
O que algumas famílias não compreendem é que, no afã de afastarem as dificuldades das suas crianças, ou preencherem supostas lacunas estão, por vezes, a criar novas dificuldades. Nuno Cortes dá um exemplo: «Não é raro que um aluno do primeiro ano, que chega à escola com um nível de leitura, escrita ou capacidade matemática superior aos dos restantes colegas, se vá desmotivando ao longo das semanas, porque quase nada do que é abordado na aula é novidade para ele. Tal não significa que seja desejável que as crianças não tenham qualquer tipo de preparação – e aí o papel do ensino pré-primário faz todo o sentido. Mas é benéfico que as crianças se sintam bem integradas no corpo vivo que é a sua turma. Elas não gostam de se destacarem».
Os problemas podem surgir é quando esse destaque é um desígnio familiar. «Na idade em que entram para a escola, as crianças ainda não ultrapassaram o patamar de desenvolvimento em que o mundo lhes aparece apenas a preto e branco, onde existem os bons e os maus, os índios e os cowboys», revela Catarina Mexia. «Felizmente, os casos em que as posições escola-família se extremam são raros, mas existem. E, quando isso acontece, não haja dúvidas: a criança vai sempre escolher os pais. E será isso que eles querem para ela?», questiona a supervisora da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar.
Comunicação e equilíbrio
Felizmente que as situações de guerrilha entre a família e a escola contam-se pelos dedos. Muito mais comuns são as situações em que a primeira rema numa direcção e a segunda numa direcção diferente. «Por muito calmo que um pai ou uma mãe aparente estar no início do ano lectivo, a ansiedade está sempre presente. E, por vezes, temos muitas dificuldades em fazer passar a mensagem de que estamos cá para ajudar em tudo, para dialogarmos com as famílias e também, certamente, para sermos questionados quando for necessário. Os professores também aprendem muito nesta fase», afirma Nuno Cortes.
«Existe um ponto que os pais têm de ter sempre presente: eles são os peritos em tudo o que diz respeito ao seu filho e um professor que mostre interesse em saber como a família está a encarar a entrada na escola e se mostre disposto a ajudar não está a ser intrometido nem é o inimigo. Ele também quer o melhor para a criança e está disposto a conhecê-la em profundidade.» Palavras de Catarina Mexia, que ecoam na experiência relatada por Nuno Cortes. «Cada família apresenta um desafio diferente, mas não vejo as que se lançam em grandes esforços – por vezes mal direccionados – como invasivas. Até porque, na esmagadora maioria dos casos, são receptivas ao que temos a dizer e, durante o ano lectivo, consegue-se chegar a uma situação de equilíbrio benéfica para a criança», adianta o professor, para quem é fundamental que pais e escola mostrem uma «frente unida».
E como é que isso se consegue? «Com comunicação, profunda e permanente. A primeira reunião com os pais é decisiva. Procuro que fiquem bem informados sobre a realidade que o filho vai encontrar: projecto educativo, rotinas, programas, metodologias, corpo docente etc., e que entendam que temos um objectivo comum centrado no bem-estar da criança», revela Nuno Cortes. No outro lado da moeda estão «as perguntas que todos deveremos fazer uns aos outros, para que nada fique por dizer e nenhuma dúvida ou mal-entendido subsistam. A melhor forma da família ajudar uma criança que inicia o primeiro ano é procurar saber exactamente o que vão encontrar na nova escola e estarem preparados para se adaptarem aos desafios que surgem todos os dias», conclui..
Métodos de iniciação à leitura e escrita
Pedagogos, cientistas e até filósofos dedicaram-se ao longo do tempo à criação e desenvolvimento de métodos de iniciação à leitura e à escrita. Muitos professores optam por criar um estilo próprio, usando características de vários sistemas. Alguns dos principais métodos são:
Método fonomímico – Utiliza, em simultâneo, os diversos sentidos da criança. Ela ouve e reproduz os fonemas (os sons das letras), aliando-os progressivamente aos grafemas (a forma escrita das letras), através de lengalengas ou cantilenas centradas no abecedário. É usado habitualmente para ultrapassar dificuldades ligadas a comportamentos disléxicos.
Método natural – Parte da produção oral da criança – relatos, histórias inventadas, etc. – e desmonta-a em frases, palavras, sílabas e, finalmente, letras. A base é a espontaneidade e a criação livre infantis, que depois são aplicadas às metas pedagógicas. Tem na origem os trabalhos do pedagogo francês Celestin Freinet e, em Portugal, teve uma expressão significativa no Movimento Escola Moderna.
Método analítico – O aluno aprende primeiro as letras, parte depois para as sílabas que compõem as palavras e, posteriormente, para as palavras no seu todo. Trata-se do clássico: «B» e «O» = «BO»; «L» e «A» = «LA»; resultado = «BOLA». A maior parte dos manuais usados ao longo dos tempos têm por base este tipo de raciocínio. É, ainda, o método mais usado no âmbito da aprendizagem da leitura em contexto escolar e a conhecida cartilha João de Deus – de carácter marcadamente silábico – é, em parte, a aplicação destes princípios.
Fonte: Pais & Filhos
terça-feira, 4 de janeiro de 2011
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